Cirurgia de Mudança de Sexo - Expectativa e realidade

Esse assunto além de polêmico é também um tabu e causador de desconforto no universo (de algumas pessoas) trans.
Como já havia comentado em uma postagem antiga, me preocupa essa tal "Glamourização da Transexualidade", todo esse glitter jogado sobre o assunto. Essa DESinformação trazida pela mídia e replicada por muitas pessoas trans, até.
Hoje em dia parece que é chique ser trans, que ser travesti, por exemplo, é algo pejorativo! Mas tenho mudado meu pensamento, levando em consideração que a nomenclatura é somente um rótulo, a vivência é que importa!
Mas a verdade é que muitas travestis, que me chamavam de louca, que diziam que as trans são "tudo loucas", que diziam JAMAIS cortar o seu pintinho, já passaram pela cirurgia fora dompais, ou estão sentadinhas na fila do SUS aguardando pela readequação.

Não sei porque me veio esse pensamento hoje, nessa tarde chuvosa de agosto, mas fiquei pensando sobre o que eu esperava da cirurgia e do pós operatório. Resolvi mexer sim nesse vespeiro.
Pois além das expectativas que alimentamos, também temos nutrido algumas ILUSÕES sobre um certo Conto de Fadas depois de operar.

Eu, antes de passar pela cirurgia -juro- não me importava se iria doer muito, se ficaria uma vagina "perfeita ", se teria sensibilidade ou orgasmos, se a vagina seria funcional (penetrável), nem mesmo se correria o risco de morrer durante a cirurgia.
Mas ouvia e acompanhava relatos de meninas que pensavam que esse passe de mágica aconteceria assim, em um pacote fechado, entre o dormir e acordar!


Algumas somente iriam namorar ou se relacionar afetivamente DEPOIS, outras esperavam ser inseridas no mercado de trabalho DEPOIS, outras (como eu) sabiam que somente seriam felizes, plenas, DEPOIS.
Aprendi nas terapias em grupo que tínhamos que ser felizes já! Trabalhar, amar, etc... Para não correr o risco de apostar em algo e nos frustrarmos ao ver que não era somente aquilo que faltava para viver.

Pouco antes de marcar minha cirurgia, não nego que fiquei em dúvida e receosa... Não pela cirurgia em si, mas pela expectativa que eu havia construido e pelo fato de já estar casada e ter feito meu esposo ter as mesmas expectativas que eu. Pois pouco antes da cirurgia, ouvi da equipe que o resultado era perfeito, que a vagina ficava idêntica à uma vagina biológica, que somente se fôssemos a um ginecologista para notarem que era resultado de uma cirurgia, pois a aparência externa era igual, etc... Ouvi isso na terapia em grupo, da equipe do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Me arrependi de ter contado ao marido esse relato, pois "e se não fosse a minha realidade"?
Realmente NÃO FOI... A aparenencia externa lembra sim uma vagina... É uma vagina! Um pouco diferente, mas é! Das meninas que eu vi o pós operatório, somente UMA eu classificaria como "perfeita"!
SE eu tivesse colocando toda a minha fé naquela promessa, eu teria tido um susto ou uma decepção tremenda! Felizmente não, tirando o que me encomodava já estareia feliz e satisfeita!

Outra questão (que para mim é relevante) é sobre a penetração/profundidade ... -Lembrando que operei a 16 anos atrás e hoje as técnicas TALVEZ tragam resoltados melhores- Na primeira cirurgia não tive profundidade no canal vaginal e sentia dores durante a relação, o que impossibilitava permitir a penetração. Então fiz uma segunda cirurgia, para aprofundar o tal canal... A dor que não senti na primeira intervenção cirúrgica (que era muito mais complexa), senti nessa segunda internação! Fiquei internada pelo dobro do tempo e ainda fui para casa com dores!
Conseguia ter a penetracao sem dor, até porque ainda estava com aquela região bastante dormente.
Mas com o passar do tempo, foi fechando novamente, ficando apertado e dolorido. Desisti de usar e também de alguma nova tentativa cirúrgica!
PORQUE.??

Bom, aí vem algo que ouvi de uma menina uma semana antes de operar... Estávamos na espera para o atendimento individual  com a psiquiatra e ao contar à ela que na próxima semana eu iria operar, ela disparou "aproveita para gosar bastante, porque tu ja sabes que depois já era; Né"?
Para mim, a questão do orgasmo não era assim tão importante! Mas, como eu sabia pelas meninas que, realmente, na maioria dos casos conhecidos depois de operadas as meninas perderam a sensibilidade, me senti e sintomuma sortuda. Uma privilegiada por sentir prazer!
Sei que uma nova operação pode anular a sensibilidade ou quem sabe me tirar a possibilidade de ter orgasmos, e sinceramente não quero arriscar!

Não curti tanto assim a penetracao vaginal (tanto que fechou novamente) e colocando na balança o meu prazer e o do outro, escolho O MEU!  Simples assim!
Tenho uma amiga que perdeu em 100% a sensibilidade na região... Não sente nada, nadica!
Fico imaginando a tristeza dela, pois para ela isso era sim importante! Lhe causa sofrimento!
E quando eu, dormindo, gozei pela primeira vez, nem acreditei, pensei que talvez fosse outra coisa... Algo somente do sonho, a sensação que senti durante o sonho! Estava bem molhadinha, mas como tinha por certo que não gozaria mais...
Até que enfim um dia aconteceu comigo beeeem acordada, durante uma relação sexual, e a sensação é indescritível! Uma realização, um presente de Deus e da equipe do Dr. Koff! Enfim...

Uma decepção que algumas pessoas talvez encontrem em relação à uma possível expectativa é sobre "ser melhor aceita" depois da readequação! A cirurgia, quem faz, faz para sí, para se encaixar no sexo ao qual se identifica desde sempre. Agora, imaginar que porque mudou de sexo, a família do namoradinho, o moço da padaria, o fiscal de trânsito e até os familiares irão te tratar diferente é utópico demais! O preconceito é uma questão cultural, e somente com cultura, informação e paciência (fora o apio e respaldo legal/judicial) que pode ser revertido!
Quem sofria preconceito ou discriminação no seu ambiente, seja de trabalho, estudo, familiar continuará passando pelas mesmas situações! MAS, agora mais forte, para se impor contra essa opressão causada pelo preconceito e a discriminação! Pois a auto estima é tudo, para empoderar a quem sempre esteve em possível situação de inferioridade.
Eu, por exemplo, comecei a me sentir poderosa, gostosa, plena e absoluta depois dos 30 anos... Depois da cirurgia de readequação sexual! E ai, meu bem, já era ruim de eu aceitar algumas situações que antes até relevava...


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